"A Humanidade, deslocada dos legítimos preceitos da moral – Moral Divina, Religião de todos os tempos e de todos os povos, que foi substituída criminosamente por mandamentos humanos e cultos esdrúxulos, não cogita, mormente nos tempos em que nos achamos, dos seus deveres e seus destinos.
São relativamente poucos os que pensam no dia de amanhã a não ser para auferir bastardos lucros. Entretanto, a pequena, a insignificante fracção que constitui esses poucos, esforça-se e trabalha, uns para a conquista de uma crença verdadeira que bem lhes oriente no caminho da vida, outros, para verem resolvido, no nosso planeta, o grande problema, o problema máximo cuja resolução é, de facto, o que nos oferece maiores promessas, mais valorosos benefícios.
A Imortalidade é, com efeito, o pivô sobre o qual se devem movimentar todos os cometimentos para uma orientação segura da vida.
A sabedoria e as virtudes nunca terão grande razão de ser enquanto os homens se desinteressarem pela imortalidade. A resolução do grande problema afecta por tal forma todas as ramificações do saber humano, que permaneceremos estacionários se a Humanidade, ou antes, os homens continuarem a pôr à margem esta questão de interesse político, religioso, científico e social, pois, de facto, é ela a base fundamental de todos os problemas que inflamam o cérebro e fazem palpitar o coração; é, na verdade, o ponto de partida para todos os estudos; é sobre essa rocha que se deverá erguer o grande edifício, o enorme Monumento onde pontificarão: a Ciência, a Religião, a Filosofia, as Artes. A própria Paz, interna e externa, não se conseguirá, nos países e nas nações, sem a Luz da Imortalidade, assim como sem ela é impossível manter a Fraternidade entre os povos.
Pascal dizia com suma razão: “A imortalidade é o nosso primeiro interesse, é uma coisa de tal importância que é preciso ter perdido toda a sensibilidade para ser indiferente ao seu conhecimento.”
Com efeito, não é a solução desse problema que aclara a nossa razão, ilumina o nosso destino, dá sentido ao nosso futuro pessoal, à nossa existência?
Não é a solução desse problema que nos dá uma orientação firme, norteando a nossa vida ao influxo de nobres paixões, de uma moral legítima e edificante?
Poderão a negação e a dúvida produzir semelhante milagre, formar caracteres, arregimentar-nos para enfrentar os dissabores da existência, as decepções quotidianas que nos assaltam e oprimem?
Quem não se viu ainda na frente de um desespero?
Quem não se deteve junto à porta fechada de um túmulo?
Quem não viu desaparecer do seu convívio um ente querido?
Quem, em momentos angustiosos, não perguntou a si mesmo, – a morte é o fim de toda esta tragédia que os homens representam no grande palco do mundo?
Tragará ela os bons como os ruins, os virtuosos, os abnegados, os sábios que, debruçados sobre livros ou absorvidos em seus laboratórios, trabalham pela colectividade, pelo bem geral, pela comunidade?
Os nossos entes amados, objectos da nossa afeição, aqueles que constituíram nossos melhores afectos, nossa veneração, nosso amor, serão dissolvidos, extintos nos abismos do nada?
Será que não somos mais que um volume de carne cobrindo um esqueleto, formando ao todo uma combinação de oxigénio, hidrogénio, azoto e carbono?
Será que não somos mais que uma armação de ossos coberta de albumina e fibrina, com uma rede de nervos imersa num lago de água?
Os pensadores, os que procuram encarar a vida tal como ela é, não teriam meditado, nunca?
Não lhes teria passado pela mente essas naturalíssimas conjecturas, essas considerações que surgem no nosso cérebro e no nosso coração nos momentos difíceis que atravessamos, quando sentimos a vida pesada, quando o aguilhão das contrariedades nos assalta e oprime?
E como responder a todas essas perguntas sem resolver o grande problema que é a chave principal, a chave “mágica”, que abre todas essas portas fechadas à nossa razão, à nossa inteligência, ao nosso sentimento, ao nosso coração?
Darão, porventura, as religiões sacerdotais uma resposta a esses quesitos que ensombram a Humanidade?
A Ciência Catedrática, com todos os recursos que lhe têm vindo das novas descobertas e invenções, será ela capaz de nos responder positiva e categoricamente de modo a satisfazer o nosso entendimento e pôr um paradeiro às ânsias que se acentuam todos os dias na nossa alma?
Finalmente, somos ou não somos? Existimos ou não existimos? Continuaremos a viver após o último acto da nossa existência terrestre?
Ao cair o pano, restará de nós alguma coisa, ou tudo se extinguirá?
Será a vida uma farsa que começa no berço e termina no túmulo?
Será a vida uma sucessão contínua de micróbios, um combate sem tréguas de animálculos que se entredevoram e se sucedem, tendo por epílogo a desagregação do “EU” debaixo de uma lage fria, dentro de um sepulcro?
Meditemos sobre tudo isto, pensemos: eis o primeiro trabalho a realizar. Esqueçamo-nos por um momento das ilusões que nos fascinam e embrutecem; encaremos a realidade sem temor, porque, dela nos desviando, só teremos ilusões e desenganos.
Tomemos a sério a vida, para que a vida se nos mostre tal como ela é, sem enganadoras aparências.
Fiquemos certos de que não teremos paz, nem saúde, nem religião, nem sabedoria, nem felicidade, sem que o grande mistério do “SER” ou “Não Ser” fique resolvido."
In – “A Vida No Outro Mundo” – Capítulo II
Autor: Cairbar Schutel (1869 – 1938), Editora “O Clarim” – Matão – SP – Brasil
domingo, agosto 28, 2005
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