Houve um oleiro que chegou ao pátio de serviço e reparou com alegria em pequeno bloco de barro. Contemplou-o, enlevado, em face da cor viva com que se apresentava e falou:
– Vamos! Farei de ti delicado pote de laboratório. O analista alegrar-se-á com o teu concurso valioso.
Imensamente surpreendido, porém, notou que o barro retrucava:
– Oh! Não, não quero! Eu, num laboratório, tolerando precipitações químicas? Por favor, não me toques para semelhante fim!
O oleiro, espantado, considerou:
– Desejo dar-te forma por amor, não por ódio. Sofrerás o calor do forno para que te faças belo e útil... Entretanto, porque te recusas ao que proponho, transformar-te-ei numa caprichosa ânfora destinada a depósito de perfumes.
– Oh! Nunca! nunca!... – Exclamou o barro – isso não! Estaria exposto ao prazer dos inconscientes. Não estou inclinado a suportar essências, através de peregrinações pelos móveis de luxo.
O dono do serviço meditou muito na desobediência da lama orgulhosa, mas, entendendo que tudo devia fazer por não trair a confiança do Céu, ponderou:
– Bem, converter-te-ei, então, num prato honrado e robusto. Comparecerás à mesa de meu lar. Ficarás connosco e serás companheiro de meus filhinhos.
– Jamais! – Bradou o barro, na indisciplina – isso seria pesada humilhação... Transportar arroz cozido e aguentar caldos gordurosos na face? Assistir, inerme, às cenas de glutonaria em tua casa? Não, não me submetas!...
O trabalhador dedicado perdoou-lhe a ofensa e acrescentou:
– Modificaremos o programa ainda uma vez. Serás um vaso amigo, em que a límpida água repouse. Ajudarás aos sedentos que se aproximarem de ti. Muita gente abençoar-te-á a cooperação. Despertarás o contentamento e a gratidão nas criaturas!...
– Não, não! – Protestou a argila – não quero! Seria condenar-me a tempo indefinido nas cantoneiras poeirentas ou nas salas escuras de pessoas desclassificadas. Por favor, poupa-me! poupa-me!...
O oleiro cuidadoso considerou, preocupado:
– Que será de ti quando te conduzirem ao forno? Não passarás de matéria endurecida e informe, sem qualquer utilidade ou beleza. Sem sacrifício e sem disciplina, ninguém se eleva aos planos da vida superior.
O barro, todavia, recusou a advertência, bradando:
– Não aceito sacrifício, nem disciplina...
Antes que pudesse prosseguir, passou o enfornador arrebanhando a argila pronta, e o barro desobediente foi também conduzido ao forno em brasa.
Decorrido algum tempo, a lama vaidosa foi retirada e – ó surpresa! – Não era pote de laboratório, nem ânfora de perfume, nem prato de refeição, nem vaso para água e, sim, feio pedaço de terra requeimada e morta, sem qualquer significação, sendo imediatamente atirada ao pântano.
Assim acontece a muitas criaturas no mundo. Revoltam-se contra a vontade soberana do Senhor que as convida ao trabalho de aperfeiçoamento, mas, depois de levadas pela experiência ao forno da morte, transformam-se em verdadeiros fantasmas de desilusão e sofrimento, necessitando de longo tempo para retornarem às bênçãos da vida mais nobre.
In: “ALVORADA CRISTÔ (Francisco Cândido Xavier/Neio Lúcio)
terça-feira, junho 27, 2006
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